As câmeras foram instaladas no corredor ecológico que conecta os Parques Estaduais da Serra de Caldas (Pescan) e da Mata Atlântica (Pema), no sudeste goiano
Câmeras de monitoramento do projeto Bandeiras no Corredor filmaram um grupo de cães perseguindo um tamanduá-bandeira no corredor ecológico que conecta os Parques Estaduais da Serra de Caldas (Pescan) e da Mata Atlântica (Pema), no sudeste goiano (veja o vídeo clicando aqui). Os pesquisadores estão estudando a fauna da região e diagnosticaram alguns problemas causados pelo convívio entre pessoas e animais. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) faz um alerta sobre os impactos do contato entre fauna nativa e espécies domésticas.
O vídeo mostra quando três cães cercam uma fêmea de tamanduá-bandeira com seu filhote, de poucas semanas, nas costas e os acuam com latidos e investidas. A mãe e filhote tamanduá conseguem fugir após serem encurralados, mas os cachorros mantêm a perseguição. Infelizmente, eles saem de frente da câmera e não se sabe como a interação termina. A perseguição aconteceu no final da tarde de 6 de maio deste ano, mas só foi acessado pelos pesquisadores dias depois, durante uma campanha de revisão das câmeras e coleta dos dados.
Não se sabe se os cães que aparecem no vídeo têm tutor, mas a bióloga e coordenadora do Projeto, doutora Alessandra Bertassoni, explica que essa interação de conflito é negativa para as duas espécies, pois pode causar a morte dos animais e outros potenciais desdobramentos prejudiciais, como a transmissão de doenças e deslocamento de área de vida. “Não é a primeira vez que a gente registra cães num movimento de caça, mas é a primeira vez que a gente vê explicitamente”, afirma.
Coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), em parceria com a Aliança da Terra e a Semad, o Projeto Bandeiras no Corredor revisou 74 câmeras instaladas nos dois Parques goianos e em propriedades rurais, entre fevereiro e maio deste ano. O Projeto é a primeira iniciativa a monitorar em médio prazo a fauna da região, que abarca os biomas Cerrado e Mata Atlântica.
Segundo Alessandra, o conflito humano-fauna trata-se de uma situação de dimensões complexa que exige a participação ativa de várias partes da sociedade para que se tenha uma resolução. “A primeira providência é diagnosticar o problema e sua frequência, isso o Projeto vem fazendo. E o pesquisador Me. Filipe G. Lima está estudando mais afundo essa questão na área de estudo. Também compartilhamos nossos dados com o Projeto Ecos do Convívio, que trabalha monitorando a movimentação dos cachorros no entorno do Pescan.”, explica a coordenadora.
“Enquanto as pessoas não tiverem tutoria responsável dos seus cachorros e não compreenderem as dimensões de conflitos, essa é uma situação que se repetirá. Muitas vezes, os cachorros são criados soltos com a ideia de que eles defendem a propriedade. Então, uma das abordagens é conseguir atuar numa forma de educação ambiental prolongada e de ação efetiva juntamente com tutores e outros setores envolvidos com a problemática”, diz Alessandra.
Transmissão de doenças
Além da perseguição ao tamanduá, as câmeras do projeto também identificaram um cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) em estado avançado de alopecia, condição de perda de pelos que normalmente é associada a sarna transmitida por cachorros.
Segundo a coordenadora, esses dados são importantes porque demonstram interações conflitivas entre fauna silvestre e animais domésticos e como isso pode afetar à saúde dos indivíduos.
“O monitoramento da fauna na região abre diversas possibilidades de investigação científica, aumentando o conhecimento sobre as espécies e entendendo melhor sua ecologia e comportamento, bem como os impactos e vulnerabilidades as quais elas podem estar expostas”, afirma.
Registros positivos
Tamanduás-bandeira, uma fêmea com seu filhote, que já crescido anda ao lado da mãe, em corredor ecológico
As campanhas de revisão também identificaram aspectos positivos. Em uma área florestal, às margens de um riacho, jaguatiricas adultas (Leopardus pardalis) aparecem simultaneamente no mesmo vídeo, sugerindo uma possível interação entre elas. Segundo Alessandra, essa espécie também representa um importante predador na comunidade de mamíferos nos biomas Cerrado e Mata Atlântica.
Em outro ponto de monitoramento, a câmera capturou imagens de tamanduás-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), uma fêmea com seu filhote, que já crescido anda ao lado da mãe, aprendendo a ser independente. Na área do Corredor, também foi registrado um tamanduá-bandeira bebendo água num fio d’água, demonstrando a importância da manutenção desses cursos nas matas das propriedades rurais.
Segundo a coordenadora, outros dois tamanduás-bandeira adultos foram vistos em outra área em um mesmo registro. A suspeita é de que trata-se de um casal, já que estes são animais solitários, o que pode indicar a época de reprodução.
“Os registros com mais de um indivíduo foram abundantes nas últimas amostragens. Os cachorros-do-mato também apareceram em dupla, e apesar de imagens assim serem mais comuns para essa espécie, podemos observar o comportamento de caça realizado por eles”, comemorou Alessandra.
Os catetos (Dicotyles tajacu) também apareceram em dupla, demonstrando uma interação social típica da espécie, se esfregando uns nos outros para reforçar os elos existentes em seus grupos numerosos. Outro registro de comportamento envolve um gato-do-mato-do-sul (Leopardus guttulus), visto afiando as garras em um tronco. Um gavião-de-rabo-branco (Geranoaetus albicaudatus) também foi filmado pela primeira vez pelo projeto, enquanto tomava um banho de sol.
Bandeiras no Corredor
Catetos se esfregam em corredor ecológico de Goiás
O Projeto Bandeiras no Corredor tem o objetivo de monitorar a fauna de mamíferos e aves de solo em áreas de conservação no sudeste de Goiás, com foco na dinâmica populacional e nas relações ecológicas de médio e longo-prazo, como a interação com eventos de fogo. O nome do Projeto faz referência tanto ao tamanduá-bandeira, espécie comum na região e que é considerada “bandeira” (que protege outras espécies), quanto ao corredor ecológico entre os dois Parques estudados.
A ação cobre um território de quase 60 mil hectares e teve início em julho de 2023. A secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Andréa Vulcanis, afirma que o Projeto servirá de subsídio para o desenvolvimento de políticas de conservação mais eficientes.
“Com o estudo, será possível avaliar como os animais se relacionam com ‘cicatrizes’ do fogo, ou seja: como eles vivem e se reproduzem em ambientes onde já houve queimadas”.
Fonte: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Governo de Goiás
Fotos e Video: Semad